MENINOS DO CARMO
Marcelo Pustiglione, 1979
Onde estávamos nós quando demoliram o CARMO?!
V.J.M.J. (*) , São Paulo, 30 de maio de 1979
Se cada uma das grossas pedras de suas paredes centenária
pudesse gritar de dor e desespero
(e quem pode garantir que não o fizeram?)
Perguntariam decerto
por onde andariam aqueles meninos
que em suas brincadeiras infantis, nelas “bateram-acara”,
que nelas chutaram furiosamente as bolas nas “peladas”,
que nelas, no castigo recebido, sua inocência clamaram,
que nelas, com o giz roubado, seus nomes escreveram.
“Onde estariam vocês, meninos do CARMO
que sua história, entre nós, pedras centenárias, iniciaram?”
“Onde estariam vocês, filhos bastardos,
que nem bem nos deixaram e já nos esqueceram?”
Quando seus filhos agora pedirem
para que lhes mostre sua escola, decerto
nenhuma pedra terá restado
no imenso buraco sob nós aberto!
O que mostrarão vocês??
O metrô?!
“Foi aqui, meu filho, que seu pai estudou,
aqui, onde hoje passa o metrô...”
Então ouça amigo,
filho bastardo,
“ex-aluno-do-buraco-do-metrô”.
Só quem o passado respeita, merece ser respeitado.
Talvez até houvesse ex-alunos do CARMO
trabalhando no projeto que o eliminou das paisagens paulistanas.
Talvez...quem sabe?...
...são tantos os ex-alunos bastardos!
Onde estava você, velho político?
Perdido em suas meditações esqueceu-se
que o velho colégio o educou?
E o grande poeta? E o artista?
E o homem de televisão? E o padre?
O senador? O marista?
O administrador? O engenheiro?
O advogado? O médico? O dentista?
O comerciante?
O ...................?
Onde andariam vocês todos?
Filhos bastardos, ex-alunos do
CARMO?!
Nunca mais se brincará nos recreios.
Nunca mais se ralarão pernas e joelhos no cimento áspero.
Nunca mais se chutará “tampinha” até furar a sola do sapato.
Nunca mais se comerá pão com chocolate nas missas de Páscoa.
Nunca mais se engalanará seu salão nobre para as medalhas.
Nunca mais se tocará o sino, para alegrias e tristezas.
Nunca mais se saudará o Irmão Braz com seus terços
(Salve Maria, Irmão, onde quer que esteja).
Nunca mais se roubará “vinho de missa”.
Nunca mais se sentirá o velho cheiro do respeito
ao Mestre e à Escola.
Nunca mais nenhum menino poderá vestir o blusão branco
quecom grandes letras azuis, no peito, gravava seu nome
“C A R M O”
Onde estávamos nós quando, em nome do futuro,
mataram o nosso passado...???
(*) Viva Jesus, Maria e José: tradicional saudação marista que era colocada no cabeçalho de todos os trabalhos nos cadernos escolares.